Technical success and availability of RRT has blurred the distinction between opportunity to extend life and obligation to do so
(Rebecca Schmidt)
Apesar das melhorias técnicas introduzidas nos últimos anos no tratamento da doença renal crónica (DRC), a mortalidade em diálise continua elevada e, em algumas publicações internacionais, um número substancial de doentes, em geral os mais frágeis na altura em que iniciam o tratamento dialítico, sofrem um decréscimo acentuado da sua capacidade funcional e vêm a optar por abandonar o tratamento dialítico por deterioração do seu estado físico, ou cognitivo. Em alguns países esta tornou-se 2ª causa de morte mais frequente.
A maior parte dos doentes em diálise morre hospitalizado, internado para tratamento de complicações e intercorrências da sua doença, sem acesso a cuidados paliativos.
Durante a fase em que fazem diálise, esses doentes apresentam uma elevada sobrecarga sintomática, tal como dores variadas, falta de energia, boca seca, prurido, náuseas, falta de ar, falta de apetite, depressão… o que contribui para o decréscimo da qualidade de vida.
Infelizmente a maior parte dos doentes, ou mesmo as suas famílias, não são envolvidos no processo decisório sobre o tipo de cuidados que pretendem uma vez chegado o momento de iniciarem diálise, e muitos deles lamentam regularmente terem entrado em programa de diálise. Abundam os estudos que revelam que uma quantidade substancial destes doentes considera importante receber informação prognóstica realista e serem ajudados a planear e a tomar decisões sobre os próximos anos em diálise e a fase final da sua vida.
Em geral, nem os médicos assistentes nem os familiares mais chegados conseguem prever com exatidão a vontade dos doentes sobre o tipo de cuidados que desejam receber na fase final da vida, ambos se enganando em mais de 50% dos casos. É, portanto, indispensável ouvi-los!
De entre os princípios que regem a bioética moderna, são de particular relevo o respeito pela Autonomia e a Integridade Profissional, tipificados neste caso como a não indução, ou continuação de diálise quando pareça ao médico que o sofrimento e a sobrecarga para doente é bem pior do que o benefício expectável.
A recomendação mais consensual na condução deste processo decisório é a chamada decisão partilhada, um processo de comunicação pelo qual o doente / família e o seu médico chegam a um consenso num plano de cuidados, baseado numa compreensão mútua dos objetivos terapêuticos do doente, tendo em conta os benefícios e os riscos expectáveis e a probabilidade de atingirmos os resultados pretendidos.
Com o intuito de responder a algumas lacunas no tipo de cuidados prestados a um segmento dos nossos doentes mais frágeis e dependentes, existe uma outra modalidade terapêutica, O Tratamento Médico Conservador (TMC).
O TMC corresponde à continuação da terapêutica integral do doente com doença renal crónica em regime ambulatório, sem recurso a técnicas dialíticas, procurando prevenir tanto quanto possível a deterioração da função renal residual, aliviando os sintomas e complicações resultantes dessa progressão, com um suporte de cuidados paliativos personalizados para a doença renal crónica, que visam otimizar o bem estar físico, emocional e espiritual do doente e sua família no tempo restante da sua vida.
Acompanhando as recomendações internacionais neste campo, a TMC inclui também:
a) Identificar os doentes que poderiam beneficiar de um aconselhamento sobre a opção conservadora / paliativa;
b) Deteção de sintomas e fontes de sofrimento a requererem intervenção terapêutica sintomática; c) Indagar sobre o desejo dos doentes, ou familiares, serem informados do seu prognóstico e participarem na planificação dos seus cuidados;
d) Considerar iniciar a discussão sobre Diretivas antecipadas de vontade, nomeadamente a execução de um Testamento Vital que ajude a respeitar a autonomia do doente em períodos em que tenha perdido a sua capacidade de decisão;
e) Identificar um “Procurador de Saúde” (habitualmente familiar ou cuidador) para nessas circunstâncias o representar em decisões de fim de vida.
Iniciar hemodiálise acima dos 75 anos, prolonga a sobrevivência quando comparado com terapêutica conservadora, mas o número de dias de hospitalização e a incidência de infeções é muito superior no grupo tratado com diálise, pelo que o nº de dias de sobrevida fora do hospital acaba por ser idêntico.
A opção pela modalidade terapêutica e outras decisões pessoais requerem, portanto, uma parceria entre os médicos do doente, a restante equipa de cuidados e o doente ou seus representantes. O seu nefrologista poderá apresentar-lhe a informação mais pertinente para cada caso, tão objetivamente quanto possível, colaborar e dar suporte às suas decisões terapêuticas, sem nunca fechar portas a mudanças de opinião e estratégia que a sua evolução clínica venha a ditar.
Pedro Ponce (GT de TMC)