A urgência silenciosa da saúde renal
A cada minuto que passa, milhares de pessoas no mundo estão a perder a função renal — e a maioria nem sequer sabe. A Doença Renal Crónica (DRC) é hoje uma epidemia invisível, que afeta mais de 850 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, estima-se que 10% da população viva com algum grau de doença renal. E, no entanto, este continua a ser um problema ausente do debate público e frequentemente esquecido nas prioridades políticas.
Tudo pode mudar este mês. No próximo dia 19 de maio, arranca em Genebra a 78.ª Assembleia Mundial da Saúde. Entre dezenas de temas em agenda, um destaca-se pelo seu potencial transformador: a votação de uma resolução inédita sobre doenças renais. Trata-se de um documento decisivo, que reconhece a DRC como uma ameaça global à saúde pública e convoca os países a agir com urgência. Pede-se mais prevenção, diagnóstico precoce, acesso ao tratamento e integração dos cuidados. Pela primeira vez, a saúde renal poderá ter o lugar que merece na agenda internacional.
Portugal não pode falhar este compromisso.
Temos feito caminho. No Dia Mundial do Rim, celebrado em março, a Direção-Geral da Saúde publicou o Percurso Integrado para a Pessoa com Doença Renal Crónica — um roteiro para melhorar o diagnóstico e o acompanhamento da DRC, envolvendo todos os níveis do SNS. Dias depois, o Governo aprovou a nova
Estratégia Nacional para a Saúde Renal. É, sem dúvida, um avanço. Mas é só o começo.
Porque a realidade continua dura: a maioria dos diagnósticos ainda acontece tardiamente, quando já pouco pode ser feito para evitar a progressão para diálise. A literacia em saúde renal é baixíssima. E há desigualdades no acesso a cuidados especializados. Todos os dias, em silêncio, a DRC encurta vidas, agrava doenças cardiovasculares, consome recursos e compromete o futuro de milhares de famílias.
Votar a favor da resolução na Assembleia Mundial da Saúde é mais do que uma formalidade diplomática. É uma escolha entre ignorar ou enfrentar um problema que nos custa vidas e milhões. É, também, uma oportunidade para alinhar Portugal com os países que assumem uma visão moderna e responsável da saúde pública — onde prevenir é tão importante quanto tratar, e onde cuidar do rim é cuidar da pessoa.
A ciência está do nosso lado. Sabemos que é possível atrasar a progressão da doença renal com medidas simples: controlo da pressão arterial, gestão da diabetes, redução do consumo de sal, rastreios regulares e maior articulação entre cuidados primários e nefrologia. E neste último em particular, estamos a trabalhar em conjunto com a medicina geral e familiar e com as entidades competentes para melhorar o diagnóstico e a referenciação precoces.
A saúde renal deixou de ser um tema técnico para passar a ser um imperativo social. Temos os dados, temos as ferramentas, temos o caminho traçado. Agora precisamos de acelerar. Esta votação é uma oportunidade rara. Que Portugal esteja, como tantas vezes esteve, do lado certo da história. Porque cada rim conta. E porque o tempo para agir é agora.
Prof. Dr. Edgar Almeida - Presidente da SPN